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Ciência da Melhoria

Diagrama de Ishikawa: encontrando a raiz do problema

Ferramenta clássica da qualidade aplicada ao contexto da saúde. Aprenda a estruturar análises de causa raiz que vão além dos sintomas.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador, Aulus Tech
15 Dez 2025 6 min de leitura
EFEITO Pessoas Processos Equipamentos Ambiente Materiais Medição

Em 1943, Kaoru Ishikawa criou uma ferramenta simples que revolucionaria a gestão da qualidade. O Diagrama de Causa e Efeito — também conhecido como diagrama espinha de peixe ou simplesmente diagrama de Ishikawa — tornou-se uma das sete ferramentas clássicas da qualidade e permanece relevante oito décadas depois.

Sua força está na simplicidade: uma representação visual que organiza as possíveis causas de um problema em categorias lógicas, facilitando a análise sistemática e evitando a armadilha de tratar sintomas como se fossem causas raiz.

Por que análise de causa raiz importa

Imagine uma UTI com alta taxa de infecção de corrente sanguínea associada a cateter central. A reação instintiva é intensificar a cobrança sobre a equipe de enfermagem para "ter mais cuidado". Mas será que essa é a causa real?

Talvez o problema seja o protocolo desatualizado. Ou a falta de treinamento adequado. Ou o ambiente físico que dificulta a higienização. Ou a pressão por produtividade que leva a atalhos. Ou tudo isso junto.

Sem uma análise estruturada, tendemos a culpar as pessoas quando o problema está no sistema. O diagrama de Ishikawa nos força a pensar além do óbvio.

"Todo sistema está perfeitamente desenhado para obter os resultados que obtém. Se você quer resultados diferentes, precisa mudar o sistema."

— Paul Batalden, adaptando Deming

Anatomia do diagrama

O diagrama de Ishikawa tem uma estrutura característica que lembra uma espinha de peixe. À direita, na "cabeça", fica o efeito (o problema que queremos resolver). A espinha central conecta a cabeça às espinhas secundárias, que representam as categorias de causas.

Tradicionalmente, na manufatura, usam-se os "6Ms": Método, Máquina, Mão de obra, Material, Medição e Meio ambiente. Na saúde, adaptamos para categorias mais relevantes ao nosso contexto.

Categorias para saúde

Pessoas

Fatores relacionados à equipe de saúde e pacientes:

Processos

Fluxos de trabalho e procedimentos:

Equipamentos

Tecnologia e infraestrutura:

Ambiente

Contexto físico e organizacional:

Materiais

Insumos e medicamentos:

Medição

Informação e feedback:

Como construir: passo a passo

1. Defina claramente o problema. Escreva o efeito de forma específica e mensurável na "cabeça do peixe". "Muitas infecções" é vago; "Taxa de ICSRC de 8,5/1000 cateteres-dia" é específico.

2. Reúna a equipe certa. O diagrama deve ser construído em grupo, com pessoas de diferentes funções e perspectivas. O enfermeiro vê causas que o médico não vê; o técnico percebe o que o gestor não percebe.

3. Faça brainstorming por categoria. Para cada categoria, pergunte: "Que fatores relacionados a [categoria] podem contribuir para [o problema]?" Anote tudo sem julgar — a crítica vem depois.

4. Vá além do primeiro nível. Para cada causa identificada, pergunte "por quê?" até chegar a causas mais fundamentais. Se "falta de treinamento" é uma causa, por que falta treinamento? Orçamento? Tempo? Priorização?

5. Priorize as causas. Nem todas as causas têm o mesmo peso. Use votação, dados disponíveis ou análise de Pareto para identificar as causas mais prováveis ou impactantes.

Técnica dos 5 Porquês

Uma ferramenta complementar poderosa é perguntar "por quê?" cinco vezes consecutivas para cada causa. Isso força a ir além das causas superficiais até chegar às causas raiz sistêmicas.

Exemplo prático: atraso na administração de antibióticos

Uma equipe de qualidade está investigando por que pacientes com sepse demoram mais de uma hora para receber a primeira dose de antibiótico após a identificação. O diagrama revelou:

Pessoas: Médicos residentes inseguros para iniciar sem staff; equipe de enfermagem sobrecarregada nos horários de pico.

Processos: Protocolo de sepse não está integrado ao prontuário eletrônico; necessidade de múltiplas aprovações para antibióticos de amplo espectro.

Equipamentos: Sistema de prescrição lento; bombas de infusão frequentemente indisponíveis.

Ambiente: Farmácia satélite fecha às 18h; distância física entre PS e farmácia central.

Materiais: Antibióticos não estão em estoque padrão no PS; necessidade de diluição manual consome tempo.

Medição: Equipe não recebe feedback sobre tempo porta-antibiótico; hora da identificação de sepse não é registrada consistentemente.

Com esse mapa completo, a equipe pôde priorizar intervenções: estocar antibióticos pré-diluídos no PS, integrar o protocolo ao prontuário eletrônico e criar feedback semanal para a equipe.

Armadilhas comuns

Parar no primeiro nível. "Falta de atenção" não é causa raiz — é sintoma. Continue perguntando por quê até chegar a fatores modificáveis do sistema.

Culpar pessoas. O diagrama deve revelar problemas de sistema, não identificar culpados. Se suas causas são todas do tipo "fulano não fez X", você está no caminho errado.

Fazer sozinho. Um diagrama construído por uma pessoa reflete apenas uma perspectiva. A riqueza está na diversidade de visões.

Não verificar com dados. O diagrama gera hipóteses, não conclusões. As causas priorizadas devem ser verificadas com dados antes de implementar soluções.

Integrando com outras ferramentas

O diagrama de Ishikawa funciona melhor quando integrado a outras ferramentas da qualidade:

Juntas, essas ferramentas formam um arsenal poderoso para melhoria contínua — e todas elas são simples o suficiente para serem usadas por qualquer equipe de saúde, sem necessidade de formação estatística avançada.

Conclusão

O diagrama de Ishikawa não resolve problemas — ele os ilumina. Ao organizar visualmente as possíveis causas, ele democratiza a análise, facilita o diálogo entre diferentes profissionais e evita a armadilha de soluções simplistas para problemas complexos.

Em um sistema de saúde onde os problemas são invariavelmente multifatoriais, essa ferramenta de oito décadas continua surpreendentemente atual. Não porque seja sofisticada, mas justamente porque é simples — e a simplicidade é uma virtude quando você precisa que toda a equipe participe da solução.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador & CEO, Aulus Tech

Médico ginecologista e obstetra, Mestre em Ciências pela FSP/USP e Fellow em Ciência da Melhoria pelo IHI. Felipe fundou a Aulus Tech para unir medicina, tecnologia e melhoria da qualidade, criando ferramentas que realmente funcionam no dia a dia dos profissionais de saúde.