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Gestão em Saúde

Dashboard de indicadores: o que realmente importa medir

Guia prático para construir painéis de indicadores que geram ação, não apenas informação. Porque nem tudo que pode ser medido deve ser medido.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador, Aulus Tech
18 Dez 2025 9 min de leitura
87% Satisfação Atendimentos Tendência

Quantos indicadores seu serviço de saúde acompanha? Se você trabalha em um hospital ou clínica de médio porte, a resposta provavelmente é "dezenas" — ou até "centenas". Paradoxalmente, quanto mais indicadores temos, menos sabemos o que está acontecendo.

O problema não é falta de dados. É excesso de dados sem critério. Dashboards lotados de números coloridos que ninguém olha, relatórios mensais que vão direto para a gaveta, reuniões onde todos concordam que "precisamos melhorar" sem saber exatamente o quê.

Este artigo propõe um caminho diferente: menos indicadores, mais ação. Baseado nos princípios do IHI e na experiência prática de gestão em saúde, vamos explorar como construir dashboards que realmente fazem diferença.

O paradoxo da medição

Peter Drucker nunca disse "o que não pode ser medido não pode ser gerenciado" — essa é uma citação atribuída erroneamente a ele. O que Drucker realmente acreditava era mais sutil: nem tudo que importa pode ser medido, e nem tudo que pode ser medido importa.

Na saúde, esse paradoxo é especialmente relevante. Podemos medir facilmente o tempo de espera, mas como medimos a qualidade do acolhimento? Conseguimos contar o número de procedimentos, mas como quantificamos o alívio do sofrimento?

"Measurement is not the goal. Improvement is the goal. Measurement is just a tool to help us know whether the changes we make are improvements."

— Lloyd P. Provost, Associates in Process Improvement

A primeira lição, portanto, é resistir à tentação de medir tudo. O objetivo não é ter o dashboard mais completo, mas sim ter o dashboard mais útil.

A família de medidas do IHI

O Institute for Healthcare Improvement propõe uma estrutura simples e poderosa: toda iniciativa de melhoria deve ter três tipos de medidas complementares.

1. Medidas de resultado (outcome measures)

São as medidas que respondem à pergunta: "Estamos alcançando nosso objetivo?" Representam o que realmente importa para pacientes e para o sistema.

Medidas de resultado são importantes, mas têm uma limitação: mudam lentamente. Se você só acompanha resultados, pode demorar meses para perceber que algo deu errado.

2. Medidas de processo (process measures)

São as medidas que respondem à pergunta: "Estamos fazendo o que planejamos?" Representam as etapas intermediárias que levam ao resultado.

Medidas de processo são mais sensíveis a mudanças. Se você implementou uma intervenção na segunda-feira, pode ver o efeito no processo já na terça.

3. Medidas de balanceamento (balancing measures)

São as medidas que respondem à pergunta: "Estamos causando problemas em outros lugares?" Garantem que a melhoria em um aspecto não está prejudicando outro.

Regra prática

Um bom dashboard de melhoria tem entre 5 e 8 indicadores: 1-2 de resultado, 2-4 de processo, e 1-2 de balanceamento. Mais do que isso dilui a atenção.

Critérios para escolher indicadores

Nem todo indicador merece espaço no seu dashboard. Antes de incluir uma medida, faça estas perguntas:

1. É acionável? Se o indicador piorar, você sabe o que fazer? Indicadores que geram apenas preocupação, mas não orientam ação, são ruído.

2. É sensível à mudança? O indicador consegue detectar as mudanças que você está fazendo? Indicadores muito agregados ou com ciclos longos não servem para gestão do dia a dia.

3. É confiável? Os dados são coletados de forma consistente? Indicadores com definições ambíguas ou coleta irregular geram mais confusão que clareza.

4. É relevante para quem vai usar? O indicador faz sentido para a equipe que vai acompanhá-lo? Métricas impostas de cima para baixo raramente geram engajamento.

Exemplo prático: dashboard de pronto-socorro

Imagine um pronto-socorro que quer melhorar o tempo de permanência dos pacientes. Um dashboard focado poderia ter:

Tipo Indicador Meta Frequência
Resultado Tempo médio de permanência no PS < 4 horas Diária
Processo Tempo porta-médico (triagem ao 1º atendimento) < 30 min Diária
Processo Tempo decisão-leito (alta/internação) < 60 min Diária
Processo % exames com resultado em < 2h > 90% Diária
Balanceamento Taxa de retorno em 72h < 5% Semanal
Balanceamento Satisfação do paciente > 80% Semanal

Note que são apenas 6 indicadores. Cada um tem um propósito claro e uma meta definida. Se o tempo de permanência aumentar, a equipe sabe exatamente onde investigar: porta-médico, decisão-leito ou exames.

Visualização que gera ação

A forma como você apresenta os dados é tão importante quanto os dados em si. Algumas diretrizes baseadas em evidências de visualização:

Use run charts, não tabelas. O cérebro humano processa padrões visuais muito mais rápido que números em colunas. Um gráfico de linha mostra tendência instantaneamente; uma tabela exige análise.

Mostre a meta visualmente. Uma linha horizontal indicando a meta permite comparação imediata. O olho vê se você está acima ou abaixo sem precisar ler números.

Destaque o que precisa de atenção. Use cor com propósito — vermelho para indicadores fora da meta, verde para os que estão bem. Mas use com moderação: se tudo é destaque, nada é destaque.

Inclua contexto temporal. Um número isolado não diz nada. "87% de satisfação" é bom ou ruim? Depende: era 92% no mês passado? Era 75% há um ano? Sempre mostre pelo menos 12 pontos de dados para permitir análise de tendência.

O ritual mais importante

Um dashboard perfeito que ninguém olha é inútil. A ferramenta mais poderosa da gestão por indicadores não é tecnológica — é comportamental: a reunião de revisão.

O IHI recomenda reuniões curtas e frequentes (daily huddles) onde a equipe revisa rapidamente os indicadores-chave. Não para julgar ou punir, mas para aprender e agir.

Três perguntas orientam essa revisão:

  1. O que os dados estão nos dizendo? Há tendências? Pontos fora do padrão? Mudanças recentes?
  2. O que pode estar causando isso? Hipóteses baseadas no conhecimento da equipe.
  3. O que vamos fazer? Ações específicas, com responsável e prazo.

Essa disciplina — olhar os dados regularmente, questionar o que significam e decidir o que fazer — é o que transforma números em melhoria.

Dica final

Comece com menos indicadores do que você acha necessário. É mais fácil adicionar depois do que remover. Um dashboard enxuto que é usado diariamente vale mais que um painel completo que é ignorado.

Conclusão: medição a serviço da melhoria

Indicadores não são o objetivo — são o caminho. O objetivo é cuidar melhor dos pacientes, usar melhor os recursos, trabalhar em ambientes mais saudáveis. Os números existem para nos ajudar a saber se estamos progredindo.

Um bom dashboard é como um bom mapa: mostra onde você está, para onde quer ir, e os principais caminhos. Não precisa mostrar cada árvore da floresta — precisa mostrar a trilha.

Na Aulus Tech, acreditamos que a tecnologia deve simplificar a gestão, não complicá-la. Por isso, nossas ferramentas são desenhadas para destacar o que importa e esconder o ruído — porque o tempo do gestor de saúde é precioso demais para ser gasto interpretando dashboards confusos.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador & CEO, Aulus Tech

Médico ginecologista e obstetra, Mestre em Ciências pela FSP/USP e Fellow em Ciência da Melhoria pelo IHI. Felipe fundou a Aulus Tech para unir medicina, tecnologia e melhoria da qualidade, criando ferramentas que realmente funcionam no dia a dia dos profissionais de saúde.