Nem toda mudança é uma melhoria, mas toda melhoria requer mudança. Esta frase, frequentemente atribuída a W. Edwards Deming, encapsula um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de saúde que buscam melhorar seus processos: como saber se o que estamos fazendo está realmente funcionando?
No dia a dia do consultório ou da gestão em saúde, é tentador olhar para dois números — um "antes" e um "depois" — e declarar vitória. "Reduzimos o tempo de espera de 45 para 38 minutos!" Mas será que isso é realmente uma melhoria, ou apenas variação natural do sistema?
O problema da variação
Todos os processos apresentam variação. O tempo de uma consulta nunca é exatamente o mesmo. O número de pacientes atendidos por dia flutua. A taxa de complicações em um procedimento oscila. Isso é normal e esperado.
O problema surge quando interpretamos essa variação natural como sinal de que algo mudou. Walter Shewhart, o pai do controle estatístico de qualidade, identificou dois tipos de variação:
- Variação de causa comum: inerente ao sistema, previsível dentro de certos limites, resultado das interações normais entre pessoas, processos e equipamentos.
- Variação de causa especial: resultado de algo fora do padrão — um equipamento quebrado, uma pessoa nova na equipe, uma mudança no processo.
A ciência da melhoria nos ensina que reagir à variação de causa comum como se fosse especial (ou vice-versa) leva a decisões equivocadas e desperdício de recursos.
Conceito-chave
Tampering é o nome dado à prática de ajustar um processo em resposta a variação de causa comum. Paradoxalmente, isso aumenta a variação total do sistema ao invés de reduzi-la.
Run Charts: a ferramenta essencial
Um run chart (ou gráfico de séries temporais) é a ferramenta mais simples e poderosa para distinguir sinal de ruído nos seus dados. Ao invés de comparar apenas dois pontos, você visualiza o comportamento do seu indicador ao longo do tempo.
Para construir um run chart, você precisa de:
- Uma medida que você quer acompanhar (ex: tempo de espera)
- Dados coletados em sequência temporal (ex: semanalmente)
- Uma linha de mediana para referência
- Pelo menos 12 pontos de dados para uma análise confiável
As regras de probabilidade
O IHI (Institute for Healthcare Improvement) ensina quatro regras para interpretar run charts. Se qualquer uma delas for observada, você tem evidência estatística de que uma mudança não-aleatória ocorreu:
- Shift (deslocamento): 6 ou mais pontos consecutivos todos acima ou todos abaixo da mediana.
- Trend (tendência): 5 ou mais pontos consecutivos todos subindo ou todos descendo.
- Runs: número muito pequeno ou muito grande de "corridas" (sequências de pontos do mesmo lado da mediana).
- Astronomical point: um ponto obviamente diferente dos demais, claramente fora do padrão.
"O objetivo do run chart não é provar que você está certo, mas sim evitar que você se engane. É uma ferramenta de humildade epistêmica."
— Lloyd P. Provost, The Improvement Guide
Aplicação prática: um exemplo real
Imagine uma UBS que quer reduzir o tempo de espera para consultas. A equipe implementa um sistema de agendamento online e, após um mês, compara: antes eram 45 minutos, agora são 38 minutos. Melhoria de 15%! Certo?
Não necessariamente. Se olharmos os dados das últimas 20 semanas, podemos ver que o tempo de espera oscilava naturalmente entre 35 e 50 minutos. O valor de 38 minutos está perfeitamente dentro dessa variação esperada.
Para saber se o agendamento online realmente funcionou, precisamos continuar medindo. Se nas próximas 6 semanas todos os valores estiverem abaixo de 42 minutos (a mediana histórica), aí sim teremos um shift — evidência estatística de melhoria real.
Além do run chart: quando usar SPC
O run chart é poderoso, mas tem limitações. Para análises mais sofisticadas, especialmente quando você precisa definir limites de controle e distinguir diferentes tipos de variação, o Controle Estatístico de Processo (SPC) é a ferramenta adequada.
Gráficos de controle como o Xbar-R, I-MR ou P-chart permitem:
- Calcular limites de controle baseados nos dados
- Identificar processos "em controle" vs "fora de controle"
- Distinguir variação de causa comum de causa especial
- Prever o comportamento futuro do processo
Dica prática
Comece com run charts. Eles são simples de fazer (até no Excel), fáceis de explicar para a equipe e suficientes para 80% das situações. Migre para SPC quando precisar de mais rigor estatístico.
Conclusão: medir para aprender
O objetivo de medir não é gerar relatórios bonitos ou justificar decisões já tomadas. É aprender. É entender se nossas mudanças estão realmente gerando melhorias ou se estamos apenas observando o ruído natural do sistema.
Como profissionais de saúde, lidamos com vidas. Cada decisão equivocada — seja abandonar uma intervenção que funcionava ou insistir em uma que não funciona — tem consequências reais para pacientes reais.
A ciência da melhoria nos oferece ferramentas para tomar decisões melhores. Run charts e gráficos de controle não são complicação burocrática — são instrumentos de responsabilidade e humildade. Usá-los é reconhecer que nossos olhos e intuições podem nos enganar, e que os dados, quando bem interpretados, contam histórias mais confiáveis.
Na Aulus Tech, acreditamos que a tecnologia deve servir à melhoria da qualidade. Por isso, nossas ferramentas incorporam esses princípios estatísticos, ajudando profissionais de saúde a distinguir sinal de ruído e tomar decisões baseadas em evidências — não em impressões.