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Ciência da Melhoria

Como medir se uma mudança é realmente uma melhoria

Introdução ao pensamento estatístico na melhoria da qualidade em saúde. Quando os números contam a história real das suas intervenções — e quando mentem.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador, Aulus Tech
24 Dez 2025 12 min de leitura
M mudança

Nem toda mudança é uma melhoria, mas toda melhoria requer mudança. Esta frase, frequentemente atribuída a W. Edwards Deming, encapsula um dos maiores desafios enfrentados por profissionais de saúde que buscam melhorar seus processos: como saber se o que estamos fazendo está realmente funcionando?

No dia a dia do consultório ou da gestão em saúde, é tentador olhar para dois números — um "antes" e um "depois" — e declarar vitória. "Reduzimos o tempo de espera de 45 para 38 minutos!" Mas será que isso é realmente uma melhoria, ou apenas variação natural do sistema?

O problema da variação

Todos os processos apresentam variação. O tempo de uma consulta nunca é exatamente o mesmo. O número de pacientes atendidos por dia flutua. A taxa de complicações em um procedimento oscila. Isso é normal e esperado.

O problema surge quando interpretamos essa variação natural como sinal de que algo mudou. Walter Shewhart, o pai do controle estatístico de qualidade, identificou dois tipos de variação:

A ciência da melhoria nos ensina que reagir à variação de causa comum como se fosse especial (ou vice-versa) leva a decisões equivocadas e desperdício de recursos.

Conceito-chave

Tampering é o nome dado à prática de ajustar um processo em resposta a variação de causa comum. Paradoxalmente, isso aumenta a variação total do sistema ao invés de reduzi-la.

Run Charts: a ferramenta essencial

Um run chart (ou gráfico de séries temporais) é a ferramenta mais simples e poderosa para distinguir sinal de ruído nos seus dados. Ao invés de comparar apenas dois pontos, você visualiza o comportamento do seu indicador ao longo do tempo.

Para construir um run chart, você precisa de:

  1. Uma medida que você quer acompanhar (ex: tempo de espera)
  2. Dados coletados em sequência temporal (ex: semanalmente)
  3. Uma linha de mediana para referência
  4. Pelo menos 12 pontos de dados para uma análise confiável

As regras de probabilidade

O IHI (Institute for Healthcare Improvement) ensina quatro regras para interpretar run charts. Se qualquer uma delas for observada, você tem evidência estatística de que uma mudança não-aleatória ocorreu:

"O objetivo do run chart não é provar que você está certo, mas sim evitar que você se engane. É uma ferramenta de humildade epistêmica."

— Lloyd P. Provost, The Improvement Guide

Aplicação prática: um exemplo real

Imagine uma UBS que quer reduzir o tempo de espera para consultas. A equipe implementa um sistema de agendamento online e, após um mês, compara: antes eram 45 minutos, agora são 38 minutos. Melhoria de 15%! Certo?

Não necessariamente. Se olharmos os dados das últimas 20 semanas, podemos ver que o tempo de espera oscilava naturalmente entre 35 e 50 minutos. O valor de 38 minutos está perfeitamente dentro dessa variação esperada.

Para saber se o agendamento online realmente funcionou, precisamos continuar medindo. Se nas próximas 6 semanas todos os valores estiverem abaixo de 42 minutos (a mediana histórica), aí sim teremos um shift — evidência estatística de melhoria real.

Além do run chart: quando usar SPC

O run chart é poderoso, mas tem limitações. Para análises mais sofisticadas, especialmente quando você precisa definir limites de controle e distinguir diferentes tipos de variação, o Controle Estatístico de Processo (SPC) é a ferramenta adequada.

Gráficos de controle como o Xbar-R, I-MR ou P-chart permitem:

Dica prática

Comece com run charts. Eles são simples de fazer (até no Excel), fáceis de explicar para a equipe e suficientes para 80% das situações. Migre para SPC quando precisar de mais rigor estatístico.

Conclusão: medir para aprender

O objetivo de medir não é gerar relatórios bonitos ou justificar decisões já tomadas. É aprender. É entender se nossas mudanças estão realmente gerando melhorias ou se estamos apenas observando o ruído natural do sistema.

Como profissionais de saúde, lidamos com vidas. Cada decisão equivocada — seja abandonar uma intervenção que funcionava ou insistir em uma que não funciona — tem consequências reais para pacientes reais.

A ciência da melhoria nos oferece ferramentas para tomar decisões melhores. Run charts e gráficos de controle não são complicação burocrática — são instrumentos de responsabilidade e humildade. Usá-los é reconhecer que nossos olhos e intuições podem nos enganar, e que os dados, quando bem interpretados, contam histórias mais confiáveis.

Na Aulus Tech, acreditamos que a tecnologia deve servir à melhoria da qualidade. Por isso, nossas ferramentas incorporam esses princípios estatísticos, ajudando profissionais de saúde a distinguir sinal de ruído e tomar decisões baseadas em evidências — não em impressões.

Dr. Felipe Sá Ferreira

Dr. Felipe Sá Ferreira

Fundador & CEO, Aulus Tech

Médico ginecologista e obstetra, Mestre em Ciências pela FSP/USP e Fellow em Ciência da Melhoria pelo IHI. Felipe fundou a Aulus Tech para unir medicina, tecnologia e melhoria da qualidade, criando ferramentas que realmente funcionam no dia a dia dos profissionais de saúde.